“Perdeu” as calças, de quebra o mandato

A vocação de alguns para a bizarrice, volta e meia coloca o parlamento brasileiro de saia justa, senão vejamos. Eleito deputado federal constituinte em 1945, o advogado, jornalista, político e escritor teatral Edmundo Barreto Pinto, especializou-se em criar fatos escandalosos, não se importando com o ridículo a que se expunha desde que lhe rendessem publicidade. Por exemplo, inscrevia-se em todas as sessões e quando chamado a subir à tribuna da Câmara Federal, naqueles tempos ficava no Rio de Janeiro, capital da República, Barreto Pinto fazia cena ocultando-se detrás das cortinas. Ao ser anunciado irrompia glorioso do esconderijo, sobraçando pencas de livros e atravessava o plenário todo garboso, como se desfilasse numa passarela de candidatas a miss. Sua linguagem na tribuna combinava com seu comportamento e, certa vez, o senador Ismar de Góes Monteiro, oficial da reserva do Exército e ex governador de Alagoas, ao cruzar com Barreto Pinto aplicou-lhe uns ponta pés no traseiro e, em função disso, surgiu uma inimizade entre o agredido e toda a família Góes Monteiro constituída de uma dezena de políticos poderosos. Para se vingar, Barreto Pinto escreveu um livro de memórias onde atacava os rivais, principalmente o outro senador da família Góes Monteiro, general de Exército, ex-chefe do Estado Maior do Exército, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, ex-ministro da Guerra e homem forte de Getúlio Vargas, Pedro Aurélio de Góes Monteiro. Em todas as sessões da Câmara, Barreto Pinto se punha a ler capítulos da sua obra, especialmente aqueles que abordavam os Góes Monteiro, até que certo dia foi anunciada a criação de uma comissão para cassar seu mandato por falta de decoro, fato inédito no parlamento até então, e isso motivou a rádio Bandeirantes a enviar ao Rio o seu repórter Jose Carlos de Moraes – Tico-Tico – para conversar com o general Góes Monteiro. Imaginem um senador, general, ex-ministro da Guerra e mal-humorado. Com tantos predicados ouçam o que teve de passar o coitado do repórter:

Pelas desavenças contra os Góes Monteiro, Barreto Pinto não sofreu punição, porém, um outro fato envolvendo aquele deputado já estava em discussão nos bastidores. É que, em pleno trabalho de elaboração da nova Constituição, ele havia se deixado fotografar trajando casaca, gravata borboleta e da cintura para baixo apenas uma cueca samba canção. A foto foi para uma reportagem sobre a Constituinte publicada na revista de maior circulação no Brasil, O Cruzeiro. Título: FELIZ COMO UM PERÚ. Senadores e deputados ofendidos, numa reunião conjunta onde se discutia a Constituição de 1946, resolveram secretamente abrir um espaço para decidir o futuro de Barreto Pinto e no meio dela levanta-se o senador Luis Carlos Prestes, líder da bancada do PCB, furioso: “o que tem a Constituinte a ver com as cuecas do sr.  Barreto Pinto? ”, retirando-se do plenário juntamente com os demais membros da bancada. O assunto arrastou-se por muito tempo e somente dois anos e meio mais tarde veio a punição com a cassação de Barreto Pinto, o primeiro deputado que perdeu o mandato por quebra de decoro parlamentar no Brasil.

Milton Parron

Milton Parron começou a carreira em 1960 e testemunhou os grandes acontecimentos policiais, esportivos, políticos e culturais em São Paulo e no Brasil. É um dos maiores repórteres da história do rádio brasileiro.

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Milton Parron começou a carreira em 1960 e testemunhou os grandes acontecimentos policiais, esportivos, políticos e culturais em São Paulo e no Brasil. É um dos maiores repórteres da história do rádio brasileiro.

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